13 de jan. de 2014

Conto: Quando o sol se põe - N. S. B.

Ela precisava ir no banheiro. Sua bexiga parecia explodir, porém o medo de sair da cama àquela hora de noite a mantinha imóvel sob as cobertas, suando apesar do frio do inverno. Ousou abrir os olhos e observou ao redor. Não havia nada a não ser suas colegas de quarto, que dormiam profundamente após outro dia cansativo no internato. "Para de ser cagona, não tem nada, não tem nada, vai no banheiro de uma vez!" foi o que pensou para si mesma, quando lentamente começou a sair da cama, colocou o pequeno sapato de pano e caminhou silenciosamente até a porta. Não ousou abri-la por completo, sabia que passado um momento a porta rangeria alto e acordaria as garotas.
Caminhou pelo corredor sombrio até chegar à porta do banheiro, e forçou a fechadura, mas a porta não se moveu nem um centímetro. Como poderia a porta do banheiro dos quartos estar trancada? E se alguém precisasse ir ao banheiro? "Como eu..." pensou. Sua próxima opção seria o banheiro do andar de baixo, mas as escadas estavam terrivelmente escuras e geladas para que ela se aventurasse. "Vou voltar para a cama" pensou, e seu coração se acelerou ao dar as costas e voltar por onde tinha passado. Aquela sensação de "não olhe para trás" percorria seu corpo o tempo todo, e acelerou o passo até chegar ao quarto. Quando passou pela porta, sentiu sua bexiga apertar novamente, e teve de pressionar as pernas com força para não se aliviar ali mesmo. Teria de ir ao banheiro, não aguentaria até o amanhecer. Mas sair do quarto novamente? "Coragem, vai."
Passou novamente pela porta, e o corredor parecia ainda mais sombrio que segundos antes. Caminhou até as escadas e parou no cantinho, olhando encarando a total escuridão. O corredor do primeiro andar estava tão escuro que ela teria de caminhar às cegas por cerca de cinquenta metros, até chegar à porta do banheiro, abri-la e acender por fim a luz. "Quanto mais rápido você for, mais rápido estará de volta à cama." pensou tentando se convencer a ir. 
Começou a descer, e a escuridão pouco a pouco subiu pelo seu corpo, até o ponto em que a linha que dividia a luz da escuridão passava por baixo de seus olhos. Então aquela sensação a atingiu novamente, "não olhe, não olhe para trás" pensou, mas e se... Não, não olhe. E deu mais um passo, sumindo na escuridão.
Seguiu pelo corredor agarrada à parede, até sentir a porta do banheiro. O silêncio só era quebrado pelo retumbar de seu coração, mantendo a alerta, e pelo vento gélido e entrecortante. Não fechou a porta ao entrar, e começou a tatear a parede por dentro. A porta fechou-se atrás de si subitamente, e ela parou de se mover no mesmo momento. O banheiro era tão mais silencioso que o corredor, que qualquer movimento dela denunciaria sua posição, então ficou ali, no escuro, estática pelo tempo que precisou até lembrar-se que a porta fechava-se automaticamente, e a onda de alívio fora tanta que ela quase sorriu, então voltou a deslizar a mão pelos azulejos gelados até encontrar o interruptor.
Não havia nada, o banheiro estava totalmente vazio, e ela correu para uma das cabines mais distantes. Quando terminou, lavou as mãos e ficou mais um bom tempo ali parada, apenas olhando para sua própria figura no espelho. Será que haveria alguma coisa lá fora agora, quando saísse? Seria seguro sair do banheiro? Estaria completamente escuro novamente, e se ela não conseguisse chegar até o quarto? Aquela sensação poderia voltar...
"Não há nada, não há nada." pensou tentando encontrar coragem. Ela apagou a luz primeiro, então abriu a porta devagar, colocou a cabeça para fora e escutou. Algumas folhas balançavam, dançando ao uivo do vento da madrugada, parecia seguro. Saiu do banheiro e começou a voltar. Então, quando estava quase chegando às escadas, ouviu um barulho. 
Vinha de outro corredor pouco iluminado que cortava o corredor onde estava. Ela estagnou no mesmo local, com o coração acelerado, até identificar os barulhos como vozes de garotos. Só podiam ser eles, a ala masculina não ficava longe, eles deviam estar aprontando algo. A curiosidade a envolveu, e ela chegou mais perto para ver o que faziam.
"Ele vai morrer de medo!" sussurrou uma voz masculina infantil, mas ela não conseguia ver quem era de longe. "Ele não vai, vocês sabem que ele não tem medo dessas coisas" comentou outro garoto. "Ele não tem medo de nada!" disse o terceiro, que estava um pouco mais ao longe. "Para de ser idiota, ele vai ter medo disso. Ele não é mais corajoso que eu, vocês vão ver" disse o primeiro novamente. "Tá, mas você não precisava ter matado um cachorro pra provar isso, Mat!" disse o terceiro garoto. Matar um cachorro? Eles mataram um cachorrinho? Seus olhos margearam de lágrimas, e sua boca converteu-se em um bico. Como podem matar um cachorrinho? Tinha vontade de ir até lá e falar que iria contar tudo para os professores, e que eles iam se dar mal, mas se eles tinham matado um cachorro, podiam feri-la também. "Rápido, tem alguém vindo!" "Se esconde!". Os garotos sumiram de vista, e ela viu outro garoto de cabelos louros vindo do outro lado do corredor. Ele caminhou até onde os garotos estavam e parou, olhando fixamente para o lado. Então se afastou, parecendo assustado, cambaleando para trás e permanecendo em silêncio, parado, encarando por alguns segundos o que ela não via. Caminhou até aquilo que encarava e observou melhor, levou a mão à boca, afastou-se novamente e voltou a andar sem olhar para trás, indo na direção onde ela estava.
Ela percebeu que não poderia cruzar o corredor para chegar às escadas sem que ele a visse, e teve de voltar apressada por onde veio. O banheiro seria um bom esconderijo, quando o garoto passasse, ela sairia e voltaria ao quarto. Porém, quando chegou ao banheiro e girou o trinco, a porta não se moveu. Estava trancada. "Mas como? Eu acabei de sair daqui!" um calafrio percorreu sua espinha. Talvez fosse melhor ela ser vista pelo menino e voltar ao quarto em segurança do que vagar pelos corredores sombrios e sozinha. 
Ao tempo em que pensou isso, quase morreu de susto quando alguém esbarrou em suas costas e a empurrou para o lado. "Desculpe... Quem está aí?" perguntou uma voz masculina infantil, era o garoto que ela vira passar antes. Ele fora rápido. "Não foi nada..." ela respondeu. "O que uma menina tá fazendo aqui a uma hora dessas?" ele perguntou e ela tentou imaginar seu rosto, no momento escondido pela escuridão. "E o que um menino tá fazendo aqui uma hora dessas?" ela perguntou. Os dois ficaram em completo silêncio e na mais completa escuridão, apenas escutando a respiração um do outro. "Tudo bem." ele disse, então voltou a andar. Ela ia seguir o caminho oposto quando ouviu os rangidos pesados da escada, parecia que alguém grande vinha, e com pressa. Não seria nada bom se ela fosse vista fora da cama àquela hora com um garoto no mesmo lugar, e desculpas como "fui ao banheiro" não eram muito bem aceitas.
"Espere!" sussurrou ao correr na direção por onde o garoto andava. "Aonde você vai?". O garoto acelerou o passo aparentemente ao notar que alguém descia as escadas. "Eu só estou indo ao banheiro, o banheiro do meu andar está trancado!" ele sussurrou, então abriu uma porta e entrou, e ela não hesitou em segui-lo. "Você não pode entrar aqui! É o banheiro masculino!" ele disse ainda sussurrando. "Por favor, só até aquela pessoa passar!" ela disse. "Tudo bem..." ele deslisou as mãos pela parede assim como ela havia feito, até ascender a luz. O garoto olhou para ela piscando, enquanto seus olhos se ajustavam à luz, e ela viu que ele tinha cabelos louros bem cortados, olhos azuis e um nariz pequeno. Usava um pijama listrado bordô com vermelho e amarelo, e um robe de mesmo tecido macio por cima. Ela achou-o interessante, pois sabia que ele não frequentava as mesmas aulas que ela, já que lembraria se tivesse visto aquele menino bonito. Talvez ele fosse mais velho, mas apenas os garotos quatro anos mais velhos não tinham qualquer aula com ela, e ele não parecia tão mais velho assim. "Acho que vou apagar a luz novamente, para que a pessoa não veja a luz por baixo da porta e nos descubra aqui" ele disse, e ela assentiu. "Muito sensato..." pensou para si mesma. 
"Você está fazendo... xixi?" perguntou, ao ouvir um pequeno ruído de água vindo de uma das cabines. "Uh... eu não conseguia segurar mais..." ele disse parecendo envergonhado. 
Quando os passos já haviam passado, ele abriu a porta e saiu, e ela o seguiu quando ele avisou que não havia ninguém no corredor, pelo menos ninguém que ele escutasse. 
"Então, eu vou voltar por ali e você por ali, certo?" ela não sabia onde eram ali e ali que ele indicava, já que não se via nada no corredor, contudo disse que sim e começou a caminhar novamente. Quando ele a segurou pelo braço e a fez parar, ela viu que o corredor por onde ele tinha vindo, onde antes havia alguma iluminação estava agora completamente escuro. Nem um sinal de luz até o fim era visível. "Acho que vou por outro caminho..." ele comentou sussurrando. "Eu caminhei na escuridão, e não tive medo. Você não devia ter medo." ela respondeu, sabendo que mentira quanto a ter medo, porém queria parecer corajosa. "Duvido que tinha um cachorro todo cortado, com a pele arrancada deitado morto em uma poça de sangue nos caminhos escuros que você fez." ele disse. Ao imaginar a cena, ela se agarrou ao braço dele "coitadinho!" grunhiu baixinho, sem largar o braço do garoto. Ele colocou o outro braço meio sem jeito no ombro dela e  a trouxe um pouco mais perto, engolindo em seco. "Desculpe..." disse num sussurro. Eles se separaram e ele começou a voltar pelo caminho do banheiro, e ela por um momento pensou em segui-lo, então lembrou-se que não havia sentido nisso. Por fim, deixou-se levar, e seguiu-o. "Vai ao dormitório masculino?" "Não, só vou por outro caminho também." respondeu, porém o outro caminho que teria de fazer era tinha quase quatro vezes a distância que o caminho por onde ela viera.
Os dois alcançaram o final do corredor, que dava acesso a um pequeno pátio com duas árvores, algumas flores e bancos. Ao passar os olhos pelo pátio que estava quase tão escuro quanto o resto do colégio, já que aquela era uma noite sem luar, ela reparou em um movimento sobre o banco. Não tardou para ouvir gemidos e choramingos, e ele também pareceu notar, já que se aproximou dela e ficaram os dois em silêncio absoluto, vendo e ouvindo.
Silenciosamente, se aproximaram para conseguir ver melhor. Demorou um tempo para que ela entendesse o que estava acontecendo: havia um menino ajoelhado ao lado do banco com o corpo deitado sobre este, ele estava sem calças e havia lágrimas em seus olhos, seu rosto estava contorcido. Havia um menino um tanto maior, com as calças até os joelhos que estava montado sobre o outro, se segurando ao banco e movendo-se para frente e para trás num ritmo rápido. "Para de choramingar antes que alguém escute!" disse o maior. Ela não conseguiu se mover, não conseguia desviar os olhos de tanto horror que sentia. Aquilo era a coisa mais terrível que ela já imaginara ver em sua vida, e só acordou de seu transe de todos os pensamentos mais horríveis que já tivera porque o garoto ao seu lado começou a segurar a mão dela tão forte que ela achou que fosse quebrá-la. Com a leve iluminação, ela viu em seu olhar o mesmo horror que ela sentia, mas algo além. Ele parecia queimar de raiva. Largou a mão dela e começou a avançar para o lugar onde os garotos estavam no pátio, mas ela não o seguiu.
Ele chegou silenciosamente, e os garotos não o viram já que estavam ambos de olhos fechados. Só os abriram quando ele acertou o garoto maior com um soco tão forte que o fez cair para trás, e ela viu pela primeira vez as partes íntimas de um garoto. Eram diferentes do que ela imaginara, será que eram todos iguais? Ele chutou o garoto caído no meio das pernas, e este berrou e se contorceu no chão enquanto o outro garoto se levantava a calçava as calças com dificuldade. Ele estava de costas para ela, e ela viu um fiapo de sangue que parecia escorrer pelo meio de suas pernas. "Oh! Meu Deus!" ela pensou, e teve de se segurar para não deixar as lágrimas correrem pelo rosto. Quis que o garoto que estivera com ela batesse no outro tanto, mas tanto que ele chegasse a desmaiar. E ele bateu.
"Você está bem?" ela perguntou sem jeito ele quando retornou. Seu cabelo estava bagunçado e fios de suor escorriam por seu rosto. Ele massageava a própria mão, e quando esticou-a para avaliá-la, ela viu sangue escorrendo onde os ossos se destacavam. "Você não devia ter feito isso..." disse o garoto que já tinha conseguido colocar as calças. Secava as lágrimas com as costas da mão. "Você não entende? Não dá pra escapar disso. Eles preferem as meninas, mas quando não podem com elas, pegam a gente. E agora você vai ser o próximo, não tenha dúvidas!" E saiu correndo com dificuldade, meio mancando por outro corredor escuro. Ela se assustou com o que o garoto disse, agarrou o amigo pela cintura e apertou forte, como se pudesse protegê-lo de algo. "Tudo bem, eu não vou ser o próximo, não se preocupe..." disse. "É você que precisa se preocupar! Você ouviu o que ele disse, não tem como escapar!" ela apertou-o ainda mais forte. "Eu me garanto..." ele disse, e ela o largou. "Vamos continuar nosso caminho então." E assim ela e ele atravessaram o pátio, passando pelo garoto caído no chão. Ela reparou que a boca dele estava torta, e seu rosto todo ensanguentado. As partes íntimas ainda escancaradas pareciam menores e também sangravam. "Eu devia ter feito pior... devia ter feito o mesmo que ele fez..." disse o garoto com dor e desprezo em sua voz. "Não! Por favor, jamais faça isso!" disse ela encarando o rosto do garoto. "Eu não faria com meu... quer dizer, eu pegaria outra coisa, um cabo de vassoura, tanto faz..." "Não! Prometa que não fará isso, prometa!" Ele olhou para ela, e quando já entravam em outro corredor escuro, ele respondeu: "Prometo."
Os dois pararam em frente ao corredor que era tão pouco iluminado quanto o pátio em que se encontravam. Entraram e seguiram em silêncio até metade do caminho, onde outro corredor cortava este. Eles enfiaram a cabeça para ver se este estava vazio, e como não viram ninguém, atravessaram-no a passos rápidos. Então ouviram uma voz feminina vindo de algum lugar, e procuraram até encontrarem uma porta por onde ela via uma luz amarelada saindo por baixo. Os dois se encararam, e depois de algumas discussões mentais, dispararam no mais absoluto silêncio até alcançar a fechadura. Ela foi a primeira a espiar.
Havia uma mulher lá dentro, toda vestida de preto, com um chicote na mão. Caminhava por entre alunas sentadas em carteiras, também vestindo preto, mas ela não conseguiu ver os rostos das alunas já que estavam de costas para a porta. Ao fundo, no quadro negro, estava escrita a palavra "Detenção", e ela muito estranhou o horário para aquilo. Nunca ficara de detenção naquele colégio, mas uma amiga que já ficara disse que a detenção durava uma hora, e que era a tarde. Faziam uma redação sobre algum tema e podiam sair. Aquilo era diferente...
"Vocês vão agora pagar por seus pecados." disse a mulher, então arrastou a menina da primeira carteira, que possuía cabelos crespos e pele negra até a frente do quadro. A mulher ergueu com delicadeza a blusa da menina pelas costas, e a colocou sobre o rosto da mesma. A empurrou de modo que a menina ficasse levemente curvada, com as costas brilhando à luz das velas. A menina tremia descontroladamente, e choramingava baixinho. "Vocês pagarão por seus pecados todas as noites a partir de agora." disse a mulher, então, tão rápido que ela mal conseguiu ver, levantou o chicote no ar e desferiu um golpe nas costas da garota. Esta gritou baixinho e caiu no chão ajoelhada, nem ao menos tentou fugir. 
Ela afastou-se do trinco chocada para que ele pudesse ver, e enquanto ele assistia, ela ouviu mais três vezes o som do chicote batendo na pele das meninas, e tantos outros gritinhos. Quando ele se afastou, olhou para ela com o olhar igualmente chocado. Ele olhou dela para as próprias mãos, avaliando seus ferimentos, e ela o afastou da porta imaginando o que passava por sua cabeça. Não era possível ajudar, não como ele estava tramando. "É melhor irmos, ela é professora, provavelmente nós é que estaremos ali amanhã se tentarmos algo!" disse ela. "Talvez, mas provavelmente não. Você não notou que todas as meninas eram negras? Maldita racista! Ela vai pagar!" De fato, ela não havia notado que todas garotas eram negras. Sentiu um enorme aperto no peito, aquelas meninas provavelmente não haviam feito nada de errado , estavam ali apenas por serem negras! Isto não é um motivo! "Sim, ela vai pagar..." pensou consigo mesma. Na manhã seguinte eles pensariam em algo.
Voltaram ao corredor onde por onde vinham e seguiram até o final, onde finalmente este dava acesso a um grande salão que servia de lugar para apresentações, festas, almoços e jantares. Apenas o café da manhã era servido em pequenos salões separados por dormitórios. No grande salão uma pequena luz ao fundo estava acesa, deixando-o levemente iluminado, um pouco mais que o corredor por onde vinham. Também não havia ninguém, porém ouviram vozes vindas do corredor do outro lado do salão. Se esconderam atrás de uma mesa e ficaram espiando quando um grupo de cinco garotas entraram no salão arrastando um rapaz um pouco pelo cabelo. "Aaaai! Pra que isso Susie?" perguntou o rapaz. Ela agora notava que eram todos mais velhos que ela mesma e o amigo. Ele estava no último ano, ela lembrava-se dele por causa dos jogos de futebol. Ele era o capitão da equipe, e vivia ao lado da garota loira que vinha à frente das outras. "Porque você transou com aquela vagabunda. Eu te avisei, te falei que uma vez que a gente transasse, você não poderia ficar com outra. E você ficou." "Mas nós terminamos, eu não tenho mais nada com você!" ele cambaleava de um lado para outro, tropeçando nos próprios pés depois que as garotas o largaram, até cair no chão e não conseguir se levantar mais. "O que você me deu? O que você vai fazer?" disse ele tentando se arrastar até um banco. "Você vai ver..." disse ela, e fez um sinal para as outras meninas. Algumas hesitaram, mas então caminharam até ele, o levantaram e o arrastaram até uma parede do salão. Susie seguiu-os e começou a puxar do correntes penduradas que desciam devagar. Tirou dos bolsos dois ganchos de ferro do tamanho de suas mãos e os prendeu às pontas das correntes. "Susie! NÃO! PARA COM ISSO!" o rapaz gritou e tentou empurrar as outras para longe sem qualquer sucesso. "Agora você vai sentir a dor que eu senti... na nossa primeira vez." Ele olhou para ela com os olhos arregalados. "Calma, não vai ser lá... Eu gostaria que fosse, mas isso provavelmente te mataria, e não sou uma assassina." Ela se aproximou e usou um dos ganchos para rasgar o pijama do rapaz, deixando seu peito a vista. Passou a mão pelos músculos de seu abdômen e colocou a mão dentro de suas calças. O garoto começou a gemer de dor, contercendo o rosto  e só parou quando ela tirou a mão de lá de dentro. "Ué, achei que você gostasse de apertadinhas..." Então ela agarrou um gancho com força e o enfiou no músculo do lado direito do peito dele, como se colocasse isca em um anzol. Fez o mesmo do lado esquerdo enquanto o rapaz urrava de dor e seus olhos rolavam para trás. Fios de sangue começaram a escorrer dos lugares onde os ganchos entravam e saíam. "Podem subir." Disse ela. As garotas largaram-no e agarraram as correntes, começando a puxá-las para longe. Ao mesmo tempo, os pés dele deixaram o chão, e seu corpo começou a subir, puxado pelos ganchos em seu peito. Ele urrou ainda mais alto por algum tempo, então parou e ficou em total silêncio enquanto era erguido mais alguns centímetros pelas correntes. Lágrimas saíam de seus olhos, e seu corpo pendeu para trás, deixando a cabeça caída, a boca entreaberta e o olhar fixo no horizonte de ponta cabeça. "Ele morreu?" perguntou num sussurro uma das garotas que puxavam as correntes. "Não, ele está respirando, veja." respondeu outra garota. Susie fez um sinal para as garotas, que param de erguê-lo e deixaram o salão. Por fim, ela também se foi.

Ela estava agarrada a ele, tremendo enquanto ele mantinha sua mão sobre a boca dela para que não gritasse. O rapaz pendurado pelas correntes estava a cerca de trinta metros deles, e a dez metros do chão. Seus olhos se fecharam quando Susie saiu, e ele não podia ver que os dois se aproximavam. Ela tentou pegar um lado das correntes para baixá-lo, mas não alcançou. Ele alcançou as duas pontas e começou a descer o rapaz, que continuava imóvel.
"Será que... tiramos?" perguntou ela, apontando de olhos arregalados para os ganchos no peito do rapaz que já estava no chão. "Acho melhor... vamos levá-lo a enfermaria..." disse ele. Encararam os ganchos assustados, nenhum queria ser o primeiro a tirá-los. "Ele já mostrou que é corajoso, agora é minha vez. Quanto mais rápido, mais fácil." Pensou ela, então agarrou um dos ganchos e retirou o mais rápido que pôde, tomando o cuidado para não machucar ainda mais o rapaz. Este abriu os olhos e soltou ar pela boca com um gemido de dor baixo, não parecia estar vendo as duas crianças agachadas sobre si. Então era a vez do garoto. Ele pegou um gancho e retirou-o extremamente devagar, sua mão tremia e ele fazia caretas cada vez que o rapaz reclamava da dor. Por fim, levantaram-no e o arrastaram por outro corredor, a enfermaria não era muito longe dali. Ela não estava muito confortável em aparecer na enfermaria àquela hora com os meninos, ainda mais com aquele rapaz naquele estado. Estivera fugindo de todos com medo de ser vista, e agora iria se entregar assim, tão fácil. Porém não ousava reclamar, o rapaz precisava de ajuda e isso era mais importante que algum mero castigo por sair à noite. Nem pensava sobre o que aconteceria com as garotas, ou o que elas fariam com eles, ou com o rapaz. Será que ele ficaria bem? Esperava que sim.
Chegaram à enfermaria e deixaram-no sentado no banco ao lado da porta. "Acho melhor batermos na porta e nos escondermos, assim ninguém nos verá." Disse ele. Ela concordou. Bateu na porta antes que ele pudesse fazê-lo, e saíram correndo. A porta se abriu quando os dois já estavam agachados atrás de um grande vaso de flor, bem escondidos na escuridão. Ninguém apareceu por um tempo, até que um senhor colocou a cabeça para fora, e quase caiu de susto ao visualizar o rapaz sentado no banco ao seu lado. Levou-o para dentro e fechou a porta. Eles saíram correndo sorrindo um para o outro pela façanha: ajudaram o rapaz e ninguém os havia visto, eles conseguiram!
Seguiram pelo corredor até virarem em outro, e novamente em outro, subiram um lance de escadas e lá se encontravam: o final da aventura sombria. Cada um seguiria para seu quarto, dormiriam e talvez nunca mais se vissem. "Bem, a gente se vê então." Disse ela, acenando com a mão. "É... acho que sim. Tchau." Disse ele. "Tchau." Ela se virou e começou a caminhar, sentindo-se triste. "Espere!" Ele correu até ela e a abraçou. Então se afastou e caminhou até desaparecer na escuridão. "Qual é o seu nome?" Ela gritou baixinho, quando seu coração acelerou ao perceber que não sabia o nome do primeiro garoto pelo qual seu coração acelerava. Porém nenhum som veio da escuridão. Ficou ali parada mais um tempo, na esperança que ele retornasse, sentindo-se triste e feliz, até que o corredor tornou-se mais escuro que antes, e mais silencioso. Ela não estava mais com ele, estava novamente sozinha e o medo voltou a engolfá-la. "Vire-se e não olhe para trás." Pensou a si mesma, quando moveu-se e começou a correr para o quarto. Fechou a porta devagar e correu até sua cama, onde deitou-se o mais rápido que conseguiu, puxou as cobertas até cobrir-se toda, até a cabeça, e ali ficou. Sabia que pela manhã o internato voltaria ao normal: as portas não se trancariam mais sozinhas, garotos não matariam cachorros, nem estuprariam uns ao outros. Nem professoras más agrediriam alunas, e essas não pendurariam ex namorados pela pele. Era tão estranho o que a noite fazia com as pessoas. Teve de rir de si mesma por lembrar que estava com medo de sair da cama imaginando que fantasmas perambulavam o lugar. "Temos que ter medo dos vivos, e não dos mortos." Pensou, mas pelo menos pela manhã estaria tudo normal. "Pelo menos até o sol se pôr..."

2 comentários:

  1. Uau!... Show o seu blog!
    Já to seguindo ;) (primeirinho kkkk...)

    Abraço!

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    1. Olá Max!
      Obrigado, acabei de começar, espero melhorar sempre!
      Abraço!

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